segunda-feira, 30 de abril de 2012

Sobre uma longa espera


É noite e faz frio. O ar gelado que envolve o meu corpo é distanciado pela proteção dos cobertores. Mas os edredons não são eficazes para afastar dos meus pensamentos a saudade de uns braços calorosos me envolvendo debaixo dessa chuva, coisa que nunca tive.
O ano mal começou. Passaram-se alguns meses; é final de abril. Mas venho nutrindo a esperança de encontrar você faz tanto tempo que, à luz da minha percepção, já se passou tempo demais. E é por isso que tenho essa impaciência, que faz o mundo parecer dezembro.
Sei lá. É que neste ano tá tudo tão amor. Por todos os cantos, por todos os lados, para onde olho, há amor. Tenho sido embriagada pelo amor dos outros. E pelas mãos dadas, pelos abraços apertados, por beijos sufocantes e suspiros encantados. E olhares, e ternura. Ternura. Tenho sido alimentada por esse amor que vem de fora pra dentro, esse amor que não me pertence. E isso me torna uma ladra. E isso me torna uma vampira. Mas, entenda bem, não faço por querer: é uma necessidade. Preciso de algum tipo de amor. E, na falta de um amor meu, a única opção que resta é ter um amor não-meu.
Eu quero mesmo é possuir um amor, um amor que nasça nas minhas entranhas e possa alimentar o amor do meu amor. (Na verdade, não. Que o amor do meu amor seja tão forte que sobreviva em si mesmo.) Um amor que seja divergente, que irradie, que preencha não só a mim, mas também o mundo. É que o mundo precisa de coisas bonitas, sabe? Eu quero ser uma coisa bonita para o mundo. E, mais do que isso, quero ser uma coisa bonita pro meu próprio amor. E pro meu amor próprio.
No mais, só posso desejar que esse tempo em que não possuo um amor pra chamar de meu passe rápido. E que o vazio que preenche essa ausência do meu amor seja, ao menos, suportável. E que essa espera, que esse longo hiato, seja compensado com mais amor do que eu seria capaz de imaginar. E que seus beijos sejam lentos e delicados, e que seus abraços sejam quentes e apertados.
Que você seja diferente e melhor do que eu sempre quis. Que nós possamos ser algo.

segunda-feira, 16 de janeiro de 2012

Quebranto

               Sou daquelas que sente até doer e inventa amores pra não se afogar no vazio. E vivo na base de amores imaginários, incalculáveis abraços distantes e beijos perdidos.  Mas, sabe, eu queria alguém de verdade. Eu queria um cara que me encantasse pelo olhar e por seu jeito meigo, que me abraçasse até nas horas incertas e fosse sensível. Eu queria um cara com quem eu pudesse conversar sobre mim, sobre ele, sobre nós, sobre o nada e sobre o tudo, que se encaixasse perfeitamente nos espaços em branco do meu coração. Eu queria amar um cara a ponto de adorar seus defeitos e suas manias insuportáveis, a ponto de perder os sentidos de tanta intensidade apaixonada.  Ah, eu queria, queria mesmo. Mas acabo sempre despencando do precipício dentro do meu próprio eu, envolvida pela solidão.

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Dançando no escuro

           De repente, seu cheiro penetra no ar circundante de forma tão intensa que posso senti-lo entrar por minhas narinas. E meu peito dispara e incha e é tomado por um líquido quente, venenoso, dilacerante... nostalgia. E então seu rosto toca no meu e sua barba mal feita me arranha, me tortura, me marca. E sua pele consegue ser tão macia a ponto de me deixar carnívora, sedenta por seu corpo, faminta por sua alma. E sua língua constroi e derruba labirintos dentro de mim, enquanto suas mãos me forçam a dançar um ritmo inédito. E seus lábios e sua boca arrancam pedaços de mim, e eu sangro com prazer. E sua respiração rouba o meu ar e nosso calor me faz derreter, me transformando em lava. E meu seio palpita esperando por ti. E meu sangue jorra para te satisfazer. E meu mundo se desfaz, só resta você. E você me dissipa, me desconstroi e me modela só para o seu prazer. E eu me desfaço, eu me mato. E você me mata na loucura dos nossos beijos, no precipício infinito dessa paixão. E vamos seguindo cada vez mais fundo, de olhos fechados, nessa escuridão.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

(re)encontro

Meu coração bate rápido, meu estômago está revirando, e eu vou andando num passo meio rápido e meio lento, entro pela porta e te descubro no meio daquela gente, daquela gente que na verdade nem estava ali, vislumbro seu rosto, seu olhar fixo em mim. E continuo andando até que finalmente estamos a poucos centímetros de distância, e então nos cumprimentamos com um beijo na bochecha e de repente eu fico sem graça. Daí você me pede um abraço e eu te dou meu abraço, claro, com o maior prazer do mundo e meio sem jeito, e sinto seu corpo novamente, seus braços me envolvendo, tudo isso depois de tanto tempo...
Depois, não sei como me comportar muito bem. Tento falar coisas, coisas que soam avulsas e sem importância, porque não sei dizer outro tipo de coisa, sabe, você me deixa desconcertada, mas falo essas coisas pra tentar manter sua atenção em mim. E você também parece estar falando coisas assim, e a gente estava meio encabulado, meio constrangido, eu acho. É que passou um tempo, passaram-se meses, diversas conversas e algumas discussões à distância e alguns juramentos meus de que não nos veríamos novamente. Mas cá estou eu novamente, cá está você novamente, cá estamos nós novamente. Cá estou eu mais pronta que nunca para me entregar a você do modo mais intenso possível porque não sei fazer de outro jeito. Cá estou eu para te sentir de novo perto de mim porque sou fraca, porque te quis e te quero e te quero.
A gente vai comer alguma coisa juntos e isso me deixa apreensiva porque significa que teremos que arrumar mais papo, conversa, ou suportar um silêncio estrondoso. Estou tímida, estou tímida, estou tímida mil vezes. E você tem lábios tão rosados e carnudos, eu olho para eles discretamente de vez em quando e então mal posso esperar para beijá-los outra vez, e estou tomando meu milkshake infinito e não como nada, você me oferece algo e recuso, e isso é tudo tão estranho, sei lá, vamos logo embora daqui, vamos logo para um lugar em que possamos nos livrar de toda essa claridade e do seu olhar claramente penetrante sobre mim para que eu possa extravasar o que sinto por você.
É, eu bem queria que nós pudéssemos conversar normalmente, até acho que isso seja possível, mas faz tanto tempo e sou tão introvertida que acabo estragando esses poucos e raros momentos que passamos juntos. Um dia eu vou conseguir te falar as besteiras e baboseiras e até papos cabeça que falo quando está tudo escuro à nossa volta, você vai ver só, mas preciso de treino, só um pouco de treino.
E a escuridão tão esperada por mim ocupa o lugar da claridade do dia lá fora quando entramos naquela sala. Procuramos por dois assentos vazios e discretos por entre aquelas dezenas de cabeças e vamos caminhando até a última fileira, naquele canto esquerdo reservado para os casais de namorados. Nós nos sentamos e eu bebo um gole de água enquanto fico progressivamente mais nervosa e mais apreensiva e mais ansiosa e tenho o desejo crescendo dentro de mim. Você pega na minha mão e eu estremeço. Eu não sei mais o que está acontecendo, mas sei que daqui a pouco nós vamos nos beijar depois de tanto tempo e eu vou sentir novamente o seu gosto e meu paladar vai ficar novamente inebriado por seu gosto, pelo toque dos seus lábios ora suaves ora intensos e pela sua pele e pelo seu calor e pela sua respiração e pelo seu cheiro, e então você me beija e nós nos beijamos e nós nos beijamos e nós nos beijamos e ora minhas mãos afagam seus cabelos e ora elas arranham sua nuca sem querer e ora nossas mãos estão juntas – e eu acho isso tão romântico – e ora minhas mãos descem pelo seu pescoço até chegarem ao seu peito. E você me toca tão docemente e explora meu corpo de uma forma tão suave que não posso não consigo não quero te impedir, e seus dedos são tão meigos adocicados calorosos encantadores aveludados. Ah, eu te quero tanto. E a gente fica abraçado e a gente se acaricia e a gente sente o cheiro um do outro e a gente respira um o ar do outro e isso parece tudo tão intenso que eu sei que vou ter vontade de morrer só de lembrar. Caramba, menino, o que é isso que há entre a gente? Eu fico tão confusa, eu não sei de nada. Mas é claro que é tudo uma ilusão, a gente vai sair daqui e vai voltar à nossa vidinha, não é mesmo? Sei lá, a gente vai até esquecer disso, vai ter outros casos por aí, vai reduzir isso a nada. Mentira. Talvez você sim, mas eu não. Eu não, cara, você mexe comigo de verdade.

domingo, 8 de maio de 2011

Embalsamento



Era um cara duns vinte e poucos anos, tinha cabelos negros feito graxa abismo pântano, uns olhos pretos que afogavam qualquer uma e umas bolsas arroxeadas debaixo dos subcílios grandes e curvos. Era daquele tipo que possuía uma lábia e uns lábios rosados nem finos nem grossos, volumosos na medida certa, hálito de hortelã uva morango, pele branca aveludada que dava até gosto de tocar. Era magro assim de um corpo esbelto com braços longos, dedos finos e alguns sinais espalhados pela superfície cutânea de uma delicadeza e doçura que davam um arrepio nas moças que os vislumbravam assim, por acaso. Era de uma fala mansa, voz arrastada e macia de um jeito que era possível embebedar e envenenar e acariciar como se fosse palpável, concreta. E tinha um beijo assim tocante, desnudo de qualquer pudor, sem receio de entregar ou fazer entregar, indo muito para além das superfícies ou das profundezas ou da alma e chegando ao centro exato, perfeito, daquilo que se chama de mulher, abandonando-o irreparável, inesquecível, imaculado como se fosse virgem senão por ele. Não obstante, ainda estabeleceu para si o desafio de conquistar o coração aparentemente intocável de uma jovem meio medonha e soturna que seguia, sem perspectiva, pelos caminhos que a vida lhe impunha. E ela era bela de um jeito tortuoso, e ele a desejava quem sabe para satisfazer um capricho. E ela relutou como sempre vinha fazendo contra todos os machos que se aproximavam, e ele insistiu, e ela recusou. Tal rejeição passou a ferir mortalmente o homem que estava habituado a ser o causador de feridas e ele acabou por perder um pouco do brilho, e ele acabou ficando obcecado pela conquista da mulher de olhos profundos e meigos, e ele acabou por observá-la e analisá-la para descobrir o que havia de errado com ela ou o motivo daquela repulsa. Dessa forma, esse cara funesto começou a chegar perto de conhecer uma alma feminina, e logo aquela alma feminina tão complexa e tão julgadora e tão exigente. Mas não tanto a ponto de não se encantar pelos atributos daquele homem. Sim, ele mexia com ela, ele a atraía como nenhum outro, mas ela queria algo a mais, ela queria sentir um sentimento puro, ela queria se apaixonar, ela não queria só sentir tesão, tá entendendo? E ele não entendia isso, ele não estava acostumado com isso, ele encantava apenas por ter aquela cara, aquele corpo, aqueles cheiros característicos, aquele olhar sedutor, aquela áurea de sexo. Ele não sabia que para conquistar o coração de uma mulher como ela era preciso esforço, era preciso tempo, era preciso disposição, era preciso não ser o cara perfeito, era preciso não ser o cara que todas desejavam, era preciso apenas ser um, um que a arrebatasse pela beleza das imperfeições e ternura. Mas era difícil demais ser aquele um, e mais difícil ainda era encontrar aquele um, coitada daquela mulher. E por isso ela acabou sucumbindo, ela estava cansada de esperar por algo que não viria – ela sabia. E acabou acontecendo uma coisa muito louca entre eles, uma coisa que não estava prevista, um encontro entre duas almas solitárias, – cada qual na sua solidão peculiar – um encontro entre duas pessoas, entre dois mundos. E então aquele cara pela primeira vez conheceu verdadeiramente uma mulher. E então aquela mulher pela primeira vez conheceu verdadeiramente um homem. E então ele passou a ser o cara das belas imperfeições e ternura. E então ela deixou de ser um desafio e se tornou o preenchimento do vazio.  E as imperfeições, os defeitos, os famosos contras, passaram a fazer todo o sentido, passaram a fazer parte do conjunto essencial às coisas perfeitas. E então aquilo tudo que era feio, aquilo tudo que era triste, passou a ser necessário para ser belo. E então o que causava medo, o que causava receio, pés atrás, finalmente foi reconhecido como integrante natural do amor. E então tudo que era conhecido antes foi desmentido. E então muitas dúvidas pairaram no ar e eles as resolveram juntos. A partir daí, o peito deles nunca mais foi o mesmo. Foi aberta uma enorme cratera no peito daqueles dois, uma cratera assim que os deixava muito vulneráveis mas imensamente felizes – até na tristeza. E essa cratera foi ficando cada vez mais profunda até dar acesso ao coração. Nesse ponto, eles finalmente morreram.