sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Dançando no escuro

           De repente, seu cheiro penetra no ar circundante de forma tão intensa que posso senti-lo entrar por minhas narinas. E meu peito dispara e incha e é tomado por um líquido quente, venenoso, dilacerante... nostalgia. E então seu rosto toca no meu e sua barba mal feita me arranha, me tortura, me marca. E sua pele consegue ser tão macia a ponto de me deixar carnívora, sedenta por seu corpo, faminta por sua alma. E sua língua constroi e derruba labirintos dentro de mim, enquanto suas mãos me forçam a dançar um ritmo inédito. E seus lábios e sua boca arrancam pedaços de mim, e eu sangro com prazer. E sua respiração rouba o meu ar e nosso calor me faz derreter, me transformando em lava. E meu seio palpita esperando por ti. E meu sangue jorra para te satisfazer. E meu mundo se desfaz, só resta você. E você me dissipa, me desconstroi e me modela só para o seu prazer. E eu me desfaço, eu me mato. E você me mata na loucura dos nossos beijos, no precipício infinito dessa paixão. E vamos seguindo cada vez mais fundo, de olhos fechados, nessa escuridão.

quinta-feira, 28 de julho de 2011

(re)encontro

Meu coração bate rápido, meu estômago está revirando, e eu vou andando num passo meio rápido e meio lento, entro pela porta e te descubro no meio daquela gente, daquela gente que na verdade nem estava ali, vislumbro seu rosto, seu olhar fixo em mim. E continuo andando até que finalmente estamos a poucos centímetros de distância, e então nos cumprimentamos com um beijo na bochecha e de repente eu fico sem graça. Daí você me pede um abraço e eu te dou meu abraço, claro, com o maior prazer do mundo e meio sem jeito, e sinto seu corpo novamente, seus braços me envolvendo, tudo isso depois de tanto tempo...
Depois, não sei como me comportar muito bem. Tento falar coisas, coisas que soam avulsas e sem importância, porque não sei dizer outro tipo de coisa, sabe, você me deixa desconcertada, mas falo essas coisas pra tentar manter sua atenção em mim. E você também parece estar falando coisas assim, e a gente estava meio encabulado, meio constrangido, eu acho. É que passou um tempo, passaram-se meses, diversas conversas e algumas discussões à distância e alguns juramentos meus de que não nos veríamos novamente. Mas cá estou eu novamente, cá está você novamente, cá estamos nós novamente. Cá estou eu mais pronta que nunca para me entregar a você do modo mais intenso possível porque não sei fazer de outro jeito. Cá estou eu para te sentir de novo perto de mim porque sou fraca, porque te quis e te quero e te quero.
A gente vai comer alguma coisa juntos e isso me deixa apreensiva porque significa que teremos que arrumar mais papo, conversa, ou suportar um silêncio estrondoso. Estou tímida, estou tímida, estou tímida mil vezes. E você tem lábios tão rosados e carnudos, eu olho para eles discretamente de vez em quando e então mal posso esperar para beijá-los outra vez, e estou tomando meu milkshake infinito e não como nada, você me oferece algo e recuso, e isso é tudo tão estranho, sei lá, vamos logo embora daqui, vamos logo para um lugar em que possamos nos livrar de toda essa claridade e do seu olhar claramente penetrante sobre mim para que eu possa extravasar o que sinto por você.
É, eu bem queria que nós pudéssemos conversar normalmente, até acho que isso seja possível, mas faz tanto tempo e sou tão introvertida que acabo estragando esses poucos e raros momentos que passamos juntos. Um dia eu vou conseguir te falar as besteiras e baboseiras e até papos cabeça que falo quando está tudo escuro à nossa volta, você vai ver só, mas preciso de treino, só um pouco de treino.
E a escuridão tão esperada por mim ocupa o lugar da claridade do dia lá fora quando entramos naquela sala. Procuramos por dois assentos vazios e discretos por entre aquelas dezenas de cabeças e vamos caminhando até a última fileira, naquele canto esquerdo reservado para os casais de namorados. Nós nos sentamos e eu bebo um gole de água enquanto fico progressivamente mais nervosa e mais apreensiva e mais ansiosa e tenho o desejo crescendo dentro de mim. Você pega na minha mão e eu estremeço. Eu não sei mais o que está acontecendo, mas sei que daqui a pouco nós vamos nos beijar depois de tanto tempo e eu vou sentir novamente o seu gosto e meu paladar vai ficar novamente inebriado por seu gosto, pelo toque dos seus lábios ora suaves ora intensos e pela sua pele e pelo seu calor e pela sua respiração e pelo seu cheiro, e então você me beija e nós nos beijamos e nós nos beijamos e nós nos beijamos e ora minhas mãos afagam seus cabelos e ora elas arranham sua nuca sem querer e ora nossas mãos estão juntas – e eu acho isso tão romântico – e ora minhas mãos descem pelo seu pescoço até chegarem ao seu peito. E você me toca tão docemente e explora meu corpo de uma forma tão suave que não posso não consigo não quero te impedir, e seus dedos são tão meigos adocicados calorosos encantadores aveludados. Ah, eu te quero tanto. E a gente fica abraçado e a gente se acaricia e a gente sente o cheiro um do outro e a gente respira um o ar do outro e isso parece tudo tão intenso que eu sei que vou ter vontade de morrer só de lembrar. Caramba, menino, o que é isso que há entre a gente? Eu fico tão confusa, eu não sei de nada. Mas é claro que é tudo uma ilusão, a gente vai sair daqui e vai voltar à nossa vidinha, não é mesmo? Sei lá, a gente vai até esquecer disso, vai ter outros casos por aí, vai reduzir isso a nada. Mentira. Talvez você sim, mas eu não. Eu não, cara, você mexe comigo de verdade.

domingo, 8 de maio de 2011

Embalsamento



Era um cara duns vinte e poucos anos, tinha cabelos negros feito graxa abismo pântano, uns olhos pretos que afogavam qualquer uma e umas bolsas arroxeadas debaixo dos subcílios grandes e curvos. Era daquele tipo que possuía uma lábia e uns lábios rosados nem finos nem grossos, volumosos na medida certa, hálito de hortelã uva morango, pele branca aveludada que dava até gosto de tocar. Era magro assim de um corpo esbelto com braços longos, dedos finos e alguns sinais espalhados pela superfície cutânea de uma delicadeza e doçura que davam um arrepio nas moças que os vislumbravam assim, por acaso. Era de uma fala mansa, voz arrastada e macia de um jeito que era possível embebedar e envenenar e acariciar como se fosse palpável, concreta. E tinha um beijo assim tocante, desnudo de qualquer pudor, sem receio de entregar ou fazer entregar, indo muito para além das superfícies ou das profundezas ou da alma e chegando ao centro exato, perfeito, daquilo que se chama de mulher, abandonando-o irreparável, inesquecível, imaculado como se fosse virgem senão por ele. Não obstante, ainda estabeleceu para si o desafio de conquistar o coração aparentemente intocável de uma jovem meio medonha e soturna que seguia, sem perspectiva, pelos caminhos que a vida lhe impunha. E ela era bela de um jeito tortuoso, e ele a desejava quem sabe para satisfazer um capricho. E ela relutou como sempre vinha fazendo contra todos os machos que se aproximavam, e ele insistiu, e ela recusou. Tal rejeição passou a ferir mortalmente o homem que estava habituado a ser o causador de feridas e ele acabou por perder um pouco do brilho, e ele acabou ficando obcecado pela conquista da mulher de olhos profundos e meigos, e ele acabou por observá-la e analisá-la para descobrir o que havia de errado com ela ou o motivo daquela repulsa. Dessa forma, esse cara funesto começou a chegar perto de conhecer uma alma feminina, e logo aquela alma feminina tão complexa e tão julgadora e tão exigente. Mas não tanto a ponto de não se encantar pelos atributos daquele homem. Sim, ele mexia com ela, ele a atraía como nenhum outro, mas ela queria algo a mais, ela queria sentir um sentimento puro, ela queria se apaixonar, ela não queria só sentir tesão, tá entendendo? E ele não entendia isso, ele não estava acostumado com isso, ele encantava apenas por ter aquela cara, aquele corpo, aqueles cheiros característicos, aquele olhar sedutor, aquela áurea de sexo. Ele não sabia que para conquistar o coração de uma mulher como ela era preciso esforço, era preciso tempo, era preciso disposição, era preciso não ser o cara perfeito, era preciso não ser o cara que todas desejavam, era preciso apenas ser um, um que a arrebatasse pela beleza das imperfeições e ternura. Mas era difícil demais ser aquele um, e mais difícil ainda era encontrar aquele um, coitada daquela mulher. E por isso ela acabou sucumbindo, ela estava cansada de esperar por algo que não viria – ela sabia. E acabou acontecendo uma coisa muito louca entre eles, uma coisa que não estava prevista, um encontro entre duas almas solitárias, – cada qual na sua solidão peculiar – um encontro entre duas pessoas, entre dois mundos. E então aquele cara pela primeira vez conheceu verdadeiramente uma mulher. E então aquela mulher pela primeira vez conheceu verdadeiramente um homem. E então ele passou a ser o cara das belas imperfeições e ternura. E então ela deixou de ser um desafio e se tornou o preenchimento do vazio.  E as imperfeições, os defeitos, os famosos contras, passaram a fazer todo o sentido, passaram a fazer parte do conjunto essencial às coisas perfeitas. E então aquilo tudo que era feio, aquilo tudo que era triste, passou a ser necessário para ser belo. E então o que causava medo, o que causava receio, pés atrás, finalmente foi reconhecido como integrante natural do amor. E então tudo que era conhecido antes foi desmentido. E então muitas dúvidas pairaram no ar e eles as resolveram juntos. A partir daí, o peito deles nunca mais foi o mesmo. Foi aberta uma enorme cratera no peito daqueles dois, uma cratera assim que os deixava muito vulneráveis mas imensamente felizes – até na tristeza. E essa cratera foi ficando cada vez mais profunda até dar acesso ao coração. Nesse ponto, eles finalmente morreram.

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dilema dos amores silenciosos



Ela estava decidida. Tomou um banho demorado e quente, escolheu um vestido preto, mudou de idéia, em vez disso colocou uma calça jeans e uma camiseta surrada, calçou os tênis, penteou os cabelos, passou um batom mas ele ficou escuro demais, tirou com o papel higiênico, passou outro batom, deu uma olhada nos olhos no espelho. Olhou para a mulher que estava decidida a dizer tudo aquilo que havia guardado, lacrado, trancado dentro daquele peito que estava prestes a explodir de tanta emoção vulcânica e quente e aquosa. Ufa, ela suspirou como que respirasse pela última vez e saiu à rua. Caminhava obstinadamente, com uma idéia fixa na mente, nos pés, no corpo inteiro. Ela pensou como deveria chegar, que sorriso deveria dar, calculou que pressão seus braços deveriam fazer ao redor do corpo dele, tentou controlar a temperatura do corpo e os batimentos do coração. Em vão. Ela lia e relia mentalmente as palavras que deveria dizer, o discurso que deveria fazer. Ela queria aquilo, mas queria muito, aquilo de uma dimensão inimaginável e inenarrável, aquilo que traria paz à sua vida e ao seu coração, aquilo que a deixaria dormir de noite, aquilo que abriria as portas para uma nova vida. Ela queria dizer que estava nervosa ao ponto de morrer mas que precisava dizer mesmo assim que lembrava do toque dos lábios dele, da maciez veludosa da pele dele, do abraço apertado que diz não-quero-que-você-vá-embora dele, e das mãos dele nas mãos dela, e da boca dele na boca dela, e da língua dele tocando a língua dela, e de como ele era aconchegante e de como ele era quentinho e de como ele era suave. Ela precisava dizer aquilo tudo que a gente tem vergonha de dizer, aquilo tudo que parece bobo e piegas mas que tem um significado infinito. Quero você pra mim, te quero do meu lado, não sei mais o que fazer pra parar de pensar em você. E é tão ruim querer alguém pra gente que não quer a gente de volta, que não precisa da gente, que não necessita do nosso carinho. E é tão ruim desejar um beijo apaixonado, um suspiro, uma carícia, um abraço daquele que a gente quer e não nos quer de volta. E era tão ruim imaginar aquela hipótese, a hipótese de ser rejeitada, a hipótese de ser descartada por aquele que ela desejava. Ela certamente sofreria, choraria, morreria aos poucos em vida, dormiria por várias horas seguidas, veria filmes românticos, ouviria músicas que a deixariam mais triste ainda, escreveria cartas e textos e poesias e tudo mais-que-se-pode-escrever para desabafar, para confessar ao papel tudo aquilo que pulsa dentro e dói e fere e dilacera e arranca pedaço, ela sabia que seria assim se ele não a desejasse de volta. Mas pior é o sofrimento, a quietude e a solidão de se gostar em silêncio, de se gostar sem ter a resposta, sem saber se ele te quer ou não de volta. Ela pensava nisso, pensava muito nisso, mas a covardia sempre a consumia, o medo de parecer ridícula, o medo de dizer e explicar tudo errado, porque ela não sabia que nessas horas não existe dizer e explicar errado, que só existe o sentimento puro e ele por si só diz tudo mesmo que não se diga nada e se alia ao olhar, à boca e outras partes do corpo para se ter uma compreensão mais definida, mais palpável.Mas agora ela estava decidida, ela iria até o final, ela diria que seu coração não aguentava mais carregar sozinho o peso daquele sentimento, ela diria que estava prestes a desmaiar só de pensar nas próximas coisas que teria que dizer, ela diria que pensava nele durante tanto tempo que mesmo quando não sabia que estava pensando nele ele estava escondido em algum canto da sua mente porque a mente dela já havia se acostumado à presença dele.E ela sabia que talvez ele risse, talvez ele achasse graça, bonitinho, fofinho, e ela ficaria sem saber o que fazer e se sentiria patética. E ela sabia que ele talvez ficasse assustado porque talvez não suspeitasse de nada e ela teria que pedir desculpas e ir embora correndo, sair assim da vida dele sem mais nem menos e desaparecer de todos pra se recuperar. E ela sabia que talvez ele pudesse dizer que só estava esperando ela dar um passo, que sentia o mesmo que ela, que queria ela pra ele igualmente ou mais ainda e que aquilo era a melhor coisa que ele poderia ter ouvido e eles então se beijariam apaixonadamente e talvez fizessem planos e talvez fizessem músicas e talvez fizessem todas aquelas outras coisas de namorado, sei lá. Sim, eram muitas suposições e a cabeça dela estava cheia e agora ela estava em frente à porta dele e tocava a campainha. Ele abriu a porta rapidamente e os olhares dos dois se cruzaram, e os olhos dele nos olhos dela a deixavam nervosa, a deixavam extasiada, e eles se cumprimentaram, os lábios dele encostaram na bochecha dela e o rosto dele estava quentinho como sempre. Ele disse que era uma boa surpresa vê-la ali, ele perguntou como ela estava e eles conversaram sobre várias coisas, sobre aquelas coisas que gostam e daquela maneira, daquele jeito que conversavam que a fez descobrir o quão ele era pra ela e ela era pra ele, e aqueles sorrisos, e aqueles toques ocasionais e aquele jeito sem graça sem saber porquê. Ela estava nervosa e num momento disse que queria dizer uma coisa muito importante, ele imediatamente perguntou o quê e ela falou que gostava muito dele, que ele era importante pra ela e que ela necessitava que ele soubesse disso. Mas ela disse isso com um olhar, com uma voz, com uma tremedeira e com uma boca tão seca que era diferente demais, não é possível, qualquer um notaria algo diferente, algo a mais, um sentimento a mais e maior do que aquelas míseras palavras. E ela não sabia se ele havia notado e se perguntou para onde tinha ido a declaração que preparou. Ela poderia não saber dele, mas ele soube naquele momento e já sabia desde muito antes que havia algo a mais entre eles, algo a mais que precisava ser confirmado porque sem confirmação ele não poderia ir adiante porque ele era covarde, porque ele tinha medo igualmente, então esse algo a mais precisava ser confirmado através de algo mais concreto que um olhar, que uma boca seca, que uma tremedeira porque nem um dos dois tinha sensiblidade pra interpretar coisas soltas no ar e nem confiança. O algo a mais precisava ser confirmado com palavras, mas as palavras que ela havia treinado com tanto ardor e obstinação foram embora naquele dia sem deixar rastros.