domingo, 8 de maio de 2011

Embalsamento



Era um cara duns vinte e poucos anos, tinha cabelos negros feito graxa abismo pântano, uns olhos pretos que afogavam qualquer uma e umas bolsas arroxeadas debaixo dos subcílios grandes e curvos. Era daquele tipo que possuía uma lábia e uns lábios rosados nem finos nem grossos, volumosos na medida certa, hálito de hortelã uva morango, pele branca aveludada que dava até gosto de tocar. Era magro assim de um corpo esbelto com braços longos, dedos finos e alguns sinais espalhados pela superfície cutânea de uma delicadeza e doçura que davam um arrepio nas moças que os vislumbravam assim, por acaso. Era de uma fala mansa, voz arrastada e macia de um jeito que era possível embebedar e envenenar e acariciar como se fosse palpável, concreta. E tinha um beijo assim tocante, desnudo de qualquer pudor, sem receio de entregar ou fazer entregar, indo muito para além das superfícies ou das profundezas ou da alma e chegando ao centro exato, perfeito, daquilo que se chama de mulher, abandonando-o irreparável, inesquecível, imaculado como se fosse virgem senão por ele. Não obstante, ainda estabeleceu para si o desafio de conquistar o coração aparentemente intocável de uma jovem meio medonha e soturna que seguia, sem perspectiva, pelos caminhos que a vida lhe impunha. E ela era bela de um jeito tortuoso, e ele a desejava quem sabe para satisfazer um capricho. E ela relutou como sempre vinha fazendo contra todos os machos que se aproximavam, e ele insistiu, e ela recusou. Tal rejeição passou a ferir mortalmente o homem que estava habituado a ser o causador de feridas e ele acabou por perder um pouco do brilho, e ele acabou ficando obcecado pela conquista da mulher de olhos profundos e meigos, e ele acabou por observá-la e analisá-la para descobrir o que havia de errado com ela ou o motivo daquela repulsa. Dessa forma, esse cara funesto começou a chegar perto de conhecer uma alma feminina, e logo aquela alma feminina tão complexa e tão julgadora e tão exigente. Mas não tanto a ponto de não se encantar pelos atributos daquele homem. Sim, ele mexia com ela, ele a atraía como nenhum outro, mas ela queria algo a mais, ela queria sentir um sentimento puro, ela queria se apaixonar, ela não queria só sentir tesão, tá entendendo? E ele não entendia isso, ele não estava acostumado com isso, ele encantava apenas por ter aquela cara, aquele corpo, aqueles cheiros característicos, aquele olhar sedutor, aquela áurea de sexo. Ele não sabia que para conquistar o coração de uma mulher como ela era preciso esforço, era preciso tempo, era preciso disposição, era preciso não ser o cara perfeito, era preciso não ser o cara que todas desejavam, era preciso apenas ser um, um que a arrebatasse pela beleza das imperfeições e ternura. Mas era difícil demais ser aquele um, e mais difícil ainda era encontrar aquele um, coitada daquela mulher. E por isso ela acabou sucumbindo, ela estava cansada de esperar por algo que não viria – ela sabia. E acabou acontecendo uma coisa muito louca entre eles, uma coisa que não estava prevista, um encontro entre duas almas solitárias, – cada qual na sua solidão peculiar – um encontro entre duas pessoas, entre dois mundos. E então aquele cara pela primeira vez conheceu verdadeiramente uma mulher. E então aquela mulher pela primeira vez conheceu verdadeiramente um homem. E então ele passou a ser o cara das belas imperfeições e ternura. E então ela deixou de ser um desafio e se tornou o preenchimento do vazio.  E as imperfeições, os defeitos, os famosos contras, passaram a fazer todo o sentido, passaram a fazer parte do conjunto essencial às coisas perfeitas. E então aquilo tudo que era feio, aquilo tudo que era triste, passou a ser necessário para ser belo. E então o que causava medo, o que causava receio, pés atrás, finalmente foi reconhecido como integrante natural do amor. E então tudo que era conhecido antes foi desmentido. E então muitas dúvidas pairaram no ar e eles as resolveram juntos. A partir daí, o peito deles nunca mais foi o mesmo. Foi aberta uma enorme cratera no peito daqueles dois, uma cratera assim que os deixava muito vulneráveis mas imensamente felizes – até na tristeza. E essa cratera foi ficando cada vez mais profunda até dar acesso ao coração. Nesse ponto, eles finalmente morreram.

3 comentários:

Tiago disse...

Gostei da história, muito bem escrita.

Thomaz disse...

Texto bacana vc escreve muito bem parabéns...

Comenta la´?

http://zecueca.blogspot.com/

Anônimo disse...

http://zecueca.blogspot.com/