Era um cara
duns vinte e poucos anos, tinha cabelos negros feito graxa abismo pântano, uns
olhos pretos que afogavam qualquer uma e umas bolsas arroxeadas debaixo dos
subcílios grandes e curvos. Era daquele tipo que possuía uma lábia e uns lábios
rosados nem finos nem grossos, volumosos na medida certa, hálito de hortelã uva
morango, pele branca aveludada que dava até gosto de tocar. Era magro assim de
um corpo esbelto com braços longos, dedos finos e alguns sinais espalhados pela
superfície cutânea de uma delicadeza e doçura que davam um arrepio nas moças que
os vislumbravam assim, por acaso. Era de uma fala mansa, voz arrastada e macia
de um jeito que era possível embebedar e envenenar e acariciar como se fosse palpável,
concreta. E tinha um beijo assim tocante, desnudo de qualquer pudor, sem receio
de entregar ou fazer entregar, indo muito para além das superfícies ou das
profundezas ou da alma e chegando ao centro exato, perfeito, daquilo que se
chama de mulher, abandonando-o irreparável, inesquecível, imaculado como se
fosse virgem senão por ele. Não obstante, ainda estabeleceu para si o desafio
de conquistar o coração aparentemente intocável de uma jovem meio medonha e
soturna que seguia, sem perspectiva, pelos caminhos que a vida lhe impunha. E
ela era bela de um jeito tortuoso, e ele a desejava quem sabe para satisfazer
um capricho. E ela relutou como sempre vinha fazendo contra todos os machos que
se aproximavam, e ele insistiu, e ela recusou. Tal rejeição passou a ferir
mortalmente o homem que estava habituado a ser o causador de feridas e ele
acabou por perder um pouco do brilho, e ele acabou ficando obcecado pela
conquista da mulher de olhos profundos e meigos, e ele acabou por observá-la e
analisá-la para descobrir o que havia de errado com ela ou o motivo daquela
repulsa. Dessa forma, esse cara funesto começou a chegar perto de conhecer uma
alma feminina, e logo aquela alma feminina tão complexa e tão julgadora e tão
exigente. Mas não tanto a ponto de não se encantar pelos atributos daquele
homem. Sim, ele mexia com ela, ele a atraía como nenhum outro, mas ela queria
algo a mais, ela queria sentir um sentimento puro, ela queria se apaixonar, ela
não queria só sentir tesão, tá entendendo? E ele não entendia isso, ele não
estava acostumado com isso, ele encantava apenas por ter aquela cara, aquele
corpo, aqueles cheiros característicos, aquele olhar sedutor, aquela áurea de
sexo. Ele não sabia que para conquistar o coração de uma mulher como ela era
preciso esforço, era preciso tempo, era preciso disposição, era preciso não ser
o cara perfeito, era preciso não ser o cara que todas desejavam, era preciso
apenas ser um, um que a arrebatasse pela beleza das imperfeições e ternura. Mas
era difícil demais ser aquele um, e mais difícil ainda era encontrar aquele um,
coitada daquela mulher. E por isso ela acabou sucumbindo, ela estava cansada de
esperar por algo que não viria – ela sabia. E acabou acontecendo uma coisa
muito louca entre eles, uma coisa que não estava prevista, um encontro entre
duas almas solitárias, – cada qual na sua solidão peculiar – um encontro entre
duas pessoas, entre dois mundos. E então aquele cara pela primeira vez conheceu
verdadeiramente uma mulher. E então aquela mulher pela primeira vez conheceu
verdadeiramente um homem. E então ele passou a ser o cara das belas
imperfeições e ternura. E então ela deixou de ser um desafio e se tornou o
preenchimento do vazio. E as
imperfeições, os defeitos, os famosos contras, passaram a fazer todo o sentido,
passaram a fazer parte do conjunto essencial às coisas perfeitas. E então
aquilo tudo que era feio, aquilo tudo que era triste, passou a ser necessário
para ser belo. E então o que causava medo, o que causava receio, pés atrás,
finalmente foi reconhecido como integrante natural do amor. E então tudo que
era conhecido antes foi desmentido. E então muitas dúvidas pairaram no ar e
eles as resolveram juntos. A partir daí, o peito deles nunca mais foi o mesmo.
Foi aberta uma enorme cratera no peito daqueles dois, uma cratera assim que os
deixava muito vulneráveis mas imensamente felizes – até na tristeza. E essa
cratera foi ficando cada vez mais profunda até dar acesso ao coração. Nesse
ponto, eles finalmente morreram.
3 comentários:
Gostei da história, muito bem escrita.
Texto bacana vc escreve muito bem parabéns...
Comenta la´?
http://zecueca.blogspot.com/
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