quinta-feira, 5 de maio de 2011

Dilema dos amores silenciosos



Ela estava decidida. Tomou um banho demorado e quente, escolheu um vestido preto, mudou de idéia, em vez disso colocou uma calça jeans e uma camiseta surrada, calçou os tênis, penteou os cabelos, passou um batom mas ele ficou escuro demais, tirou com o papel higiênico, passou outro batom, deu uma olhada nos olhos no espelho. Olhou para a mulher que estava decidida a dizer tudo aquilo que havia guardado, lacrado, trancado dentro daquele peito que estava prestes a explodir de tanta emoção vulcânica e quente e aquosa. Ufa, ela suspirou como que respirasse pela última vez e saiu à rua. Caminhava obstinadamente, com uma idéia fixa na mente, nos pés, no corpo inteiro. Ela pensou como deveria chegar, que sorriso deveria dar, calculou que pressão seus braços deveriam fazer ao redor do corpo dele, tentou controlar a temperatura do corpo e os batimentos do coração. Em vão. Ela lia e relia mentalmente as palavras que deveria dizer, o discurso que deveria fazer. Ela queria aquilo, mas queria muito, aquilo de uma dimensão inimaginável e inenarrável, aquilo que traria paz à sua vida e ao seu coração, aquilo que a deixaria dormir de noite, aquilo que abriria as portas para uma nova vida. Ela queria dizer que estava nervosa ao ponto de morrer mas que precisava dizer mesmo assim que lembrava do toque dos lábios dele, da maciez veludosa da pele dele, do abraço apertado que diz não-quero-que-você-vá-embora dele, e das mãos dele nas mãos dela, e da boca dele na boca dela, e da língua dele tocando a língua dela, e de como ele era aconchegante e de como ele era quentinho e de como ele era suave. Ela precisava dizer aquilo tudo que a gente tem vergonha de dizer, aquilo tudo que parece bobo e piegas mas que tem um significado infinito. Quero você pra mim, te quero do meu lado, não sei mais o que fazer pra parar de pensar em você. E é tão ruim querer alguém pra gente que não quer a gente de volta, que não precisa da gente, que não necessita do nosso carinho. E é tão ruim desejar um beijo apaixonado, um suspiro, uma carícia, um abraço daquele que a gente quer e não nos quer de volta. E era tão ruim imaginar aquela hipótese, a hipótese de ser rejeitada, a hipótese de ser descartada por aquele que ela desejava. Ela certamente sofreria, choraria, morreria aos poucos em vida, dormiria por várias horas seguidas, veria filmes românticos, ouviria músicas que a deixariam mais triste ainda, escreveria cartas e textos e poesias e tudo mais-que-se-pode-escrever para desabafar, para confessar ao papel tudo aquilo que pulsa dentro e dói e fere e dilacera e arranca pedaço, ela sabia que seria assim se ele não a desejasse de volta. Mas pior é o sofrimento, a quietude e a solidão de se gostar em silêncio, de se gostar sem ter a resposta, sem saber se ele te quer ou não de volta. Ela pensava nisso, pensava muito nisso, mas a covardia sempre a consumia, o medo de parecer ridícula, o medo de dizer e explicar tudo errado, porque ela não sabia que nessas horas não existe dizer e explicar errado, que só existe o sentimento puro e ele por si só diz tudo mesmo que não se diga nada e se alia ao olhar, à boca e outras partes do corpo para se ter uma compreensão mais definida, mais palpável.Mas agora ela estava decidida, ela iria até o final, ela diria que seu coração não aguentava mais carregar sozinho o peso daquele sentimento, ela diria que estava prestes a desmaiar só de pensar nas próximas coisas que teria que dizer, ela diria que pensava nele durante tanto tempo que mesmo quando não sabia que estava pensando nele ele estava escondido em algum canto da sua mente porque a mente dela já havia se acostumado à presença dele.E ela sabia que talvez ele risse, talvez ele achasse graça, bonitinho, fofinho, e ela ficaria sem saber o que fazer e se sentiria patética. E ela sabia que ele talvez ficasse assustado porque talvez não suspeitasse de nada e ela teria que pedir desculpas e ir embora correndo, sair assim da vida dele sem mais nem menos e desaparecer de todos pra se recuperar. E ela sabia que talvez ele pudesse dizer que só estava esperando ela dar um passo, que sentia o mesmo que ela, que queria ela pra ele igualmente ou mais ainda e que aquilo era a melhor coisa que ele poderia ter ouvido e eles então se beijariam apaixonadamente e talvez fizessem planos e talvez fizessem músicas e talvez fizessem todas aquelas outras coisas de namorado, sei lá. Sim, eram muitas suposições e a cabeça dela estava cheia e agora ela estava em frente à porta dele e tocava a campainha. Ele abriu a porta rapidamente e os olhares dos dois se cruzaram, e os olhos dele nos olhos dela a deixavam nervosa, a deixavam extasiada, e eles se cumprimentaram, os lábios dele encostaram na bochecha dela e o rosto dele estava quentinho como sempre. Ele disse que era uma boa surpresa vê-la ali, ele perguntou como ela estava e eles conversaram sobre várias coisas, sobre aquelas coisas que gostam e daquela maneira, daquele jeito que conversavam que a fez descobrir o quão ele era pra ela e ela era pra ele, e aqueles sorrisos, e aqueles toques ocasionais e aquele jeito sem graça sem saber porquê. Ela estava nervosa e num momento disse que queria dizer uma coisa muito importante, ele imediatamente perguntou o quê e ela falou que gostava muito dele, que ele era importante pra ela e que ela necessitava que ele soubesse disso. Mas ela disse isso com um olhar, com uma voz, com uma tremedeira e com uma boca tão seca que era diferente demais, não é possível, qualquer um notaria algo diferente, algo a mais, um sentimento a mais e maior do que aquelas míseras palavras. E ela não sabia se ele havia notado e se perguntou para onde tinha ido a declaração que preparou. Ela poderia não saber dele, mas ele soube naquele momento e já sabia desde muito antes que havia algo a mais entre eles, algo a mais que precisava ser confirmado porque sem confirmação ele não poderia ir adiante porque ele era covarde, porque ele tinha medo igualmente, então esse algo a mais precisava ser confirmado através de algo mais concreto que um olhar, que uma boca seca, que uma tremedeira porque nem um dos dois tinha sensiblidade pra interpretar coisas soltas no ar e nem confiança. O algo a mais precisava ser confirmado com palavras, mas as palavras que ela havia treinado com tanto ardor e obstinação foram embora naquele dia sem deixar rastros.

5 comentários:

Taíza Gama disse...

Nossa! Muito forte o seu texto!
Você escreve muito bem. Parabéns! =)
Vou continuar vindo aqui sempre.

http://nos4.wordpress.com/

Fernando disse...

Impressionante, sensível, deixando-nos sem fôlego no passo a passo da personagem.

Em pensar que tal relato ocorre corriqueiramente...é tão comum, e ao mesmo tempo, tão triste.

Desperdício do amor, eu diria.

Abs,
Fernando Piovezam
http://seuanonimo.blogspot.com

Anônimo disse...

Lindissimo relato.
Concordo com fernando. A cada leitura de uma frase você consegue fazer ótimas entonações. Parabens

As garotas do século 21 disse...

que lindo o texto, eu amei *-*
Parabéns pelo blog!

http://asgarotasdoseculo21.blogspot.com/

Anônimo disse...

Belo, doce e bem escrito, gostei.