Ela estava
decidida. Tomou um banho demorado e quente, escolheu um vestido preto, mudou de
idéia, em vez disso colocou uma calça jeans e uma camiseta surrada, calçou os
tênis, penteou os cabelos, passou um batom mas ele ficou escuro demais, tirou
com o papel higiênico, passou outro batom, deu uma olhada nos olhos no espelho.
Olhou para a mulher que estava decidida a dizer tudo aquilo que havia guardado,
lacrado, trancado dentro daquele peito que estava prestes a explodir de tanta
emoção vulcânica e quente e aquosa. Ufa, ela suspirou como que respirasse pela
última vez e saiu à rua. Caminhava obstinadamente, com uma idéia fixa na mente,
nos pés, no corpo inteiro. Ela pensou como deveria chegar, que sorriso deveria
dar, calculou que pressão seus braços deveriam fazer ao redor do corpo dele,
tentou controlar a temperatura do corpo e os batimentos do coração. Em vão. Ela
lia e relia mentalmente as palavras que deveria dizer, o discurso que deveria
fazer. Ela queria aquilo, mas queria muito, aquilo de uma dimensão inimaginável
e inenarrável, aquilo que traria paz à sua vida e ao seu coração, aquilo que a
deixaria dormir de noite, aquilo que abriria as portas para uma nova vida. Ela
queria dizer que estava nervosa ao ponto de morrer mas que precisava dizer
mesmo assim que lembrava do toque dos lábios dele, da maciez veludosa da pele
dele, do abraço apertado que diz não-quero-que-você-vá-embora dele, e das mãos
dele nas mãos dela, e da boca dele na boca dela, e da língua dele tocando a
língua dela, e de como ele era aconchegante e de como ele era quentinho e de
como ele era suave. Ela precisava dizer aquilo tudo que a gente tem vergonha de
dizer, aquilo tudo que parece bobo e piegas mas que tem um significado
infinito. Quero você pra mim, te quero do meu lado, não sei mais o que fazer
pra parar de pensar em você. E é tão ruim querer alguém pra gente que não quer
a gente de volta, que não precisa da gente, que não necessita do nosso carinho.
E é tão ruim desejar um beijo apaixonado, um suspiro, uma carícia, um abraço daquele
que a gente quer e não nos quer de volta. E era tão ruim imaginar aquela
hipótese, a hipótese de ser rejeitada, a hipótese de ser descartada por aquele
que ela desejava. Ela certamente sofreria,
choraria, morreria aos poucos em vida, dormiria por várias horas seguidas,
veria filmes românticos, ouviria músicas que a deixariam mais triste ainda,
escreveria cartas e textos e poesias e tudo mais-que-se-pode-escrever para
desabafar, para confessar ao papel tudo aquilo que pulsa dentro e dói e fere e
dilacera e arranca pedaço, ela sabia que seria assim se ele não a desejasse de
volta. Mas pior é o sofrimento, a quietude e a solidão de se gostar em
silêncio, de se gostar sem ter a resposta, sem saber se ele te quer ou não de
volta. Ela pensava nisso, pensava muito nisso, mas a covardia sempre a
consumia, o medo de parecer ridícula, o medo de dizer e explicar tudo errado,
porque ela não sabia que nessas horas não existe dizer e explicar errado, que
só existe o sentimento puro e ele por si só diz tudo mesmo que não se diga nada
e se alia ao olhar, à boca e outras partes do corpo para se ter uma compreensão
mais definida, mais palpável.Mas agora ela estava decidida, ela iria até o
final, ela diria que seu coração não aguentava mais carregar sozinho o peso
daquele sentimento, ela diria que estava prestes a desmaiar só de pensar nas
próximas coisas que teria que dizer, ela diria que pensava nele durante tanto
tempo que mesmo quando não sabia que estava pensando nele ele estava escondido
em algum canto da sua mente porque a mente dela já havia se acostumado à
presença dele.E ela sabia que talvez ele risse, talvez ele achasse graça,
bonitinho, fofinho, e ela ficaria sem saber o que fazer e se sentiria patética.
E ela sabia que ele talvez ficasse assustado porque talvez não suspeitasse de
nada e ela teria que pedir desculpas e ir embora correndo, sair assim da vida
dele sem mais nem menos e desaparecer de todos pra se recuperar. E ela sabia
que talvez ele pudesse dizer que só estava esperando ela dar um passo, que
sentia o mesmo que ela, que queria ela pra ele igualmente ou mais ainda e que
aquilo era a melhor coisa que ele poderia ter ouvido e eles então se beijariam
apaixonadamente e talvez fizessem planos e talvez fizessem músicas e talvez
fizessem todas aquelas outras coisas de namorado, sei lá. Sim, eram muitas
suposições e a cabeça dela estava cheia e agora ela estava em frente à porta
dele e tocava a campainha. Ele abriu a porta rapidamente e os olhares dos dois
se cruzaram, e os olhos
dele nos olhos dela a deixavam nervosa, a deixavam extasiada, e eles se
cumprimentaram, os lábios dele encostaram na bochecha dela e o rosto dele
estava quentinho como sempre. Ele disse que era uma boa surpresa vê-la ali, ele
perguntou como ela estava e eles conversaram sobre várias coisas, sobre aquelas
coisas que gostam e daquela maneira, daquele jeito que conversavam que a fez
descobrir o quão ele era pra ela e ela era pra ele, e aqueles sorrisos, e
aqueles toques ocasionais e aquele jeito sem graça sem saber porquê. Ela estava
nervosa e num momento disse que queria dizer uma coisa muito importante, ele imediatamente
perguntou o quê e ela falou que gostava muito dele, que ele era importante pra
ela e que ela necessitava que ele soubesse disso. Mas ela disse isso com um
olhar, com uma voz, com uma tremedeira e com uma boca tão seca que era
diferente demais, não é possível, qualquer um notaria algo diferente, algo a
mais, um sentimento a mais e maior do que aquelas míseras palavras. E ela não
sabia se ele havia notado e se perguntou para onde tinha ido a declaração que
preparou. Ela poderia não saber dele, mas ele soube naquele momento e já sabia
desde muito antes que havia algo a mais entre eles, algo a mais que precisava
ser confirmado porque sem confirmação ele não poderia ir adiante porque ele era
covarde, porque ele tinha medo igualmente, então esse algo a mais precisava ser
confirmado através de algo mais concreto que um olhar, que uma boca seca, que
uma tremedeira porque nem um dos dois tinha sensiblidade pra interpretar coisas
soltas no ar e nem confiança. O algo a mais precisava ser confirmado com palavras,
mas as palavras que ela havia treinado com tanto ardor e obstinação foram
embora naquele dia sem deixar rastros.
5 comentários:
Nossa! Muito forte o seu texto!
Você escreve muito bem. Parabéns! =)
Vou continuar vindo aqui sempre.
http://nos4.wordpress.com/
Impressionante, sensível, deixando-nos sem fôlego no passo a passo da personagem.
Em pensar que tal relato ocorre corriqueiramente...é tão comum, e ao mesmo tempo, tão triste.
Desperdício do amor, eu diria.
Abs,
Fernando Piovezam
http://seuanonimo.blogspot.com
Lindissimo relato.
Concordo com fernando. A cada leitura de uma frase você consegue fazer ótimas entonações. Parabens
que lindo o texto, eu amei *-*
Parabéns pelo blog!
http://asgarotasdoseculo21.blogspot.com/
Belo, doce e bem escrito, gostei.
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